A conferência online Future Digital Twin ocorreu entre os dias 26 e 27 de maio e reuniu mais de 1000 profissionais das áreas de energia, tecnologia e Óleo e Gás de mais de 600 organizações espalhadas em pelo menos 75 países. E o CEO da Vidya Technology, uma startup brasileira especializada em integridade de ativos, esteve lá como um dos painelistas convidados do mundo todo. 

O Gerenciamento de Ativos Industriais é uma disciplina necessária para todos que trabalham no setor industrial. Mas quais ferramentas são necessárias para alcançar o melhor resultado? Nessa entrevista exclusiva, Otávio Corrêa, comenta sobre como a tecnologia Digital Twin está mudando o jeito como enxergamos o Gerenciamento de Integridade de Ativos, e o que podemos esperar dessas mudanças para o futuro. 

 

Da sua perspectiva, como você vê a Manutenção Preditiva interagindo com o Digital Twin e a Transformação Digital nas indústrias? É possível aplicá-lo em diferentes disciplinas?

 

Vamos contextualizar por casos de uso: a Manutenção Preditiva de uma máquina rotativa, ou de um motor elétrico dependerá do monitoramento de vibração, temperatura e parâmetros elétricos. Para executar a manutenção dos exemplos, a rigor, serão envolvidas equipes multidisciplinares, como elétrica, mecânica e de instrumentação. Por outro lado, se a manutenção preditiva for de componentes estruturais, ela dependerá de outros parâmetros, assim como terá outro processo de manutenção e equipes envolvidas. Isso significa que a previsão é altamente dependente da disciplina de manutenção. Dessa forma, você precisa alcançar um balanço entre parâmetros de monitoramento de integridade, trabalhos de manutenção e ajustes nas condições de operação. 

Agora, pense em uma instalação industrial onde todos esses diferentes componentes estão trabalhando de forma conjunta, e às vezes de forma interdependente! Nós podemos encontrar, inclusive, sobreposições e interferências entre eles em algumas aplicações. Na minha percepção, um Digital Twin bem projetado, em termos e Dados do Ativo, Operação e fluxos de trabalho de Manutenção e dados históricos, foca no valor do caso de uso como tecnologia habilitadora, capaz de lidar com todo esse universo de variáveis interagindo em um ambiente complexo. O Digital Twin é capaz de desempenhar o papel principal no gerenciamento da manutenção preditiva. 

 

Quais são os desafios que você enfrentou com projetos de Digital Twin? Como funciona o fluxo de trabalho da Vidya? 

 

Acho que começarei respondendo pela última pergunta, e então falarei sobre os desafios nos projetos. Pode ser?

(Sim, claro)

 

Em um simples fluxo de trabalho: A primeira fase para montar uma plataforma de Digital Twin é parametrizar os dados (dados de engenharia, modelos 3D se necessários, atributos da planta, e visualização de informações importantes). O próximo passo é alimentar a plataforma com dados do fluxo de trabalho de manutenção propriamente dito, seguido da fase de predição, na qual poderá ser integrado com outras tecnologias, como Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina, ou outros algoritmos e simulações. Após, temos a fase analítica, onde todos esses dados processados serão analisados pela própria Inteligência Artificial, e é aí que é possível integrar todos os sistemas DB/Systems, que serão a chave para otimizar o processo industrial oferecendo mais controle sob a planta industrial. Para resumir: é assim que a plataforma de Digital Twin opera. 

Com isso em mente, quando falamos de desafios em projetos podemos listar facilmente 3 deles: 

  • As iniciativas de Digital Twin podem ter um escopo super amplo. 
  • O Digital Twin depende muito do que o usuário final tem (dados e infraestrutura) e o que ele precisa
  • O Digital Twin pode ser escalonado em entregas parciais. 

Querendo ou não, não há quase chance alguma de começar um projeto sem uma POC [Prova de Conceito] bem definida, com primeiros resultados esperados bem conhecidos e limitados (acordados entre as partes envolvidas) e escopo bem definido. Esse será o começo da jornada Digital Twin, que guiará a escala do projeto e resultados de longo prazo. Ele também guiará o investimento ao longo do tempo, custo, atualizações e a direção dos projetos. Por causa dessa ampla capacidade, entendo que um projeto de Digital Twin deve compartilhar seus frutos com as muitas áreas ou departamentos em conjunto com a corporação. É aqui que reside o desafio de demonstrar o ROI  [Retorno em Investimento]. 

 

Fazendo uma conexão com a última questão: ferramentas que usam o Digital Twin conseguem trazer um bom retorno de investimento ao usuário?

 

Definitivamente sim, é possível trazer ROI para o usuário. Nós da Vidya tivemos, por exemplo, uma redução de aproximadamente 60% de todo o esforço de vistoria e planejamento de manutenção estrutural de uma FPSO. Quero dizer, esse é um indicador tangível que nos leva ao ROI. No entanto, na nossa visão, tem muito mais!  Esse é apenas o começo da jornada do Digital Twin que abre um enorme potencial para trazer muito mais valor para o cliente de várias maneiras. 

 

Um modelo preciso deve refletir com precisão as propriedades do gêmeo físico. Você tem algum caso de uso que nos mostre isso? 

 

Na minha opinião, a precisão de um modelo deve ser avaliado e balanceado de acordo com a aplicação do DIgital Twin. Generalizando aqui, quanto mais preciso é o modelo, mais custoso é o investimento no Digital Twin. Então, quando estamos projetando um DT, devemos olhar de diferentes perspectivas. 

Podemos olhar na precisão ou resolução do modelo por si só (atributos físicos, conjuntos de dados, dados 3D e condições de limites), ou podemos olhar em outra perspectiva, de analisar a precisão, resolução ou fidedignidade dos dados alimentados no sistema (sensores, imagens 3D, dados adquiridos em campo por operadores). Finalmente, precisamos avaliar a precisão do produto gerado pelo sistema (simulações, modelos preditivos, otimização de modelos, planejamento). Esse é o contexto que enfrentamos nos nossos casos de uso.

Estamos executando um Digital Twin para avaliar níveis de corrosão, pintura protetiva, manutenção e análise estrutural, onde a precisão dos dados 3D tem um papel importante para identificar, classificar e mapear os defeitos. No entanto, a resolução da série temporal do nível de corrosão (modelo preditivo) não precisa ser um indicador replicado de tempos em tempos. Sorte que a corrosão não cresce tão rápido nesses casos! 

Mas voltando ao balanço de custo-benefício, entendo que se as pessoas envolvidas em um projeto de Digital Twin devem encontrar e testar a precisão ou resolução para que encontrem o melhor cenário possível que não impacte negativamente no custo ou na viabilidade do projeto, enquanto entrega os resultados para qual foi projetado. 

 

Tecnologia é um elemento essencial para a Transformação Digital. Quais sua opinião sobre a tecnologia liderando a Transformação Digital, ou são os humanos que lideram a mudança? 

 

Walter Isaacson, escritor e biógrafo de Einstein e Steve Jobs disse no livro “Os Inovadores” algo sobre suas conclusões. Na história, a demanda por Inteligência Artificial e “máquinas que pensassem por si próprias” foram consistentemente provadas menos frutíferas do que criar caminhos para um simbiose entre pessoas e máquinas. E isso é algo que acredito que é verdade. A colaboração entre humanos e tecnologias irá liderar a mudança, porque no final das contas, todas as tecnologias são desenvolvidas de humanos, para humanos. 

Como empresário, sempre queremos algo que vá mais rápido, eficiente, e implemente coisas novas todos os dias. Mas o caminho para o progresso é algo que não podemos controlar e é feito por todos: empresas, engenheiros, desenvolvedores de software, cientistas, clientes, parceiros tecnológicos.. peça por peça. 

 

Com o advento da Transformação Digital, estamos vendo algumas mudanças culturais e de inovação no setor industrial. Como você vê que esses aspectos contribuem – ou que desafios trazem – na adoção da tecnologia Digital Twin para Manutenção Preditiva? 

 

Inovação e transformações culturais já estão acontecendo na maior parte das indústrias, juntamente com diversos setores econômicos. Alguns são mais avançados e receptivos que outros, claro. No entanto, acredito que ninguém descarta a importância da inovação hoje em dia. 

Estamos presenciamos vários movimentos em direção à Transformação Digital, que irá afetar positivamente o cenário do Digital Twin. Empresas estão investindo muito na digitalização das suas instalações, incluindo escaneamento 3D, modelagem 3D, infraestrutura para sensores IoT, computação na nuvem, e ambientes de nuvens, uma vez que o mesmo era uma palavra proibida para o mesmo. Mas, se seu pudesse nomear um desafio principal para a Transformação Digital, olhando da perspectiva de Digital Twin, é criar, em um nível corporativo, um ambiente que permita a colaboração de pessoas diferentes e de áreas diversas para projetos em conjunto, porque o valor de um Digital Twin com certeza não está restrito em um departamento ou outro. O valor e o ROI  com certeza beneficiarão as empresas de forma transversal. 

A mudança cultural inclui também o jeito que projetamos os projetos, como conduzimos os projetos, usando metodologias ágeis, por exemplo, além de como assumimos e dividimos os riscos, como compartilhamos as oportunidades entre todos os colaboradores de uma iniciativa Digital Twin. 

 

Quais são alguns dos resultados do Digital Twin para produtividade da força de trabalho?

 

O Digital Twin pode otimizar a força de trabalho com eficiência e produtividade, e pode fazê-lo de diversas formas. Algumas das formas são: 

  • Criar uma consciência situacional dos empregos 
  • Permitir planejar e replanejar, ajustando as sobreposições de escalações de equipes
  • Permitir a digitalização das medidas e processos em campo, como checklists e procedimentos a serem realizados pela força de trabalho, ou através de medidas e dados apontados ou mapeados nos ambientes 3D.
  • Registrar por georeferenciamento a posição de cada trabalho 
  • Usar pontos no espaço do Digital Twin para armazenar, processar e mostrar dados. 
  • Possibilitar o acesso a dados de riscos, alertas, anomalias e tarefas em um ambiente imersivo, mesmo que em campo. 

A observação aqui na perspectiva de campo, dimensionando a confiabilidade da solução, a questão é entender que a realidade da força de trabalho em campo e aprender suas limitações. Eles costumam trabalhar em amientes sem conectividade, nós temos isso em mente quando fazemos as aplicações. Outra coisa é confiar nos hardwares que eles já conhecem, como tablets e  smartphones. Por exemplo, tentamos evitar dispositivos complicados para aplicação em campo, ou qualquer coisa que precise de treinamentos complexos, por exemplo. 

 

Você tem alguma história de sucesso sobre o incrível valor que o Digital Twin trouxe? Fique à vontade para abordar qualquer aspecto do Digital Twin que quiser. 

 

Acredito que os primeiros passos da Vidya no negócio mostram exatamente como o Digital Twin pode gerar valor. Nós estamos trabalhando com monitoramento de corrosão e integridade de ativos para alguns clientes. Em um determinado tempo, há alguns anos atrás, notamos que alguns gerentes de operação e manutenção estavam enfrentando problemas para tomar decisões sobre algumas ações de manutenção e integridade que precisavam ser feitas. Alguns deles não faziam ideia de como aplicar propriamente seus orçamentos, ou mesmo calculá-los para, por exemplo, manutenção de pintura protetiva anti-corrosiva. Eles estavam olhando apenas para estimações históricas, e os resultados não eram nada bons! Devo ressaltar aqui que isso representa uma quantidade expressiva de dinheiro para a operação. 

Nós descobrimos que alguns clientes já tinham os dados necessários para resolver essa situação. No entanto, foram perdidos em algum lugar entre a fase de engenharia e construção das instalações e o encarregado pela operação. Quero dizer.. a maior parte dos dados gerados para colocar a planta em perfeita operação, como modelos 3D, dados de engenharia, fluxos de trabalho, análises e etc, não estavam disponíveis ou sendo usadas na operação! 

Dissemos: “Está bem, podemos encontrar e tratar esses dados, mas precisamos de um jeito que colocar tudo junto em um lugar no qual possamos alimentar com dados diários da operação e da integridade de ativos e processar isso usando alguns modelos e algoritmos baseados na nossa experiência” e eu disse à eles: “olha, de acordo com o seu cenário, você deve tratar essa lista de prioridade, vai te custar X e os resultados para os níveis de integridade serão esses” e então mostramos para eles as respostas que eles não tinham. 

Essa é uma história de alguns dos ótimos resultados que alcançamos. Por exemplo, um dado excelente é que reduzimos em cerca de 60% todo o esforço de gerenciamento para controlar a corrosão, e gerir a execução de pintura protetiva. Fizemos isso eliminando as medidas manuais, inspeções visuais feitas no papel, e empregando escaneamento 3D para virtualizar o ativo. Nesse mesmo projeto, foi possível reduzir as incertezas da execução em 20%. 

Para concluir: a tecnologia que nos possibilitou trazer essa solução foi o Digital Twin, que aliás, na época, nem conhecíamos o termo Digital Twin. Agora, com a evolução da solução, nossa ferramenta Digital Twin é capaz de empregar modelos 3D, escaneamentos 3D, modelos preditivos e fluxos de trabalho para inspeção e manutenção. 

Atualmente, nossa plataforma faz muito mais e pode ser empregada em diversas disciplinas na operação e manutenção de plantas industriais. Inclusive, ela tem muitos recursos de interoperabilidade o que permite que a mesma seja integrada com sensores, CMMS, ERPs, e EMDs… e por aí vai. Essa é a nossa história de sucesso, mas não é o fim! Estamos olhando para um futuro maior, cheio de desafios que ainda iremos superar!

 

Muito obrigado pela entrevista! Você tem mais alguma recomendação que gostaria de nos deixar com?

 

Para fechar, gostaria de ressaltar a importância de um roteiro bem projetado, normalmente inicado por uma POC, acordada entre todas as pessoas envolvidas na iniciativa de executar um Digital Twin. Na minha visão, nós temos uma longa jornada para otimizar dados e padrões de modelos. A DNV lançou o primeiro padrão para Digital Twins ano passado, por exemplo. Mas padrões em base de dados, modelos 3D, estrutura de dados e nomenclaturas, podem contribuir muito. 

Outro ponto é a interoperabilidade como chave: ninguém espera criar e entregar todo o potencial de um Digital Twin sozinho. É necessário a integração para juntar esforços para alcançar os melhores resultados. Finalmente, gostaria de te agradecer pela oportunidade de dar essa entrevista. É maravilhoso poder compartilhar conhecimentos sobre Digital Twin!

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